sábado, 7 de fevereiro de 2009

"Retrato do artista quando jovem - II"

"Vinha eu de eléctrico para Benfica, depois de mais uma educativa tarde no Liceu Camões, espécie e campo de concentração aterrorizador e inútil, quando, por alturas de Calhariz, uma evidência surpreendente me cegou: vou ser escritor."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

Fantasia erótica

Fantasia amorosa

A fantasia do colibri

"Assobiar no escuro"

"- Deixa-te de fantasias líricas
apetece-me fazer de cada página um barquinho de papel e deixá-lo navegar pelas sarjetas na esperança de que outra mão as receba como uma espécie de Índia onde cheguei por acaso, juntamente com o ecozinho de um assobio no escuro e um sobrolho apreensivo da mãe."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Assobiar no escuro"

"À questão aflita
- O que vais fazer na vida
respondi invariavelmente
- Assobiar no escuro
o que me salva da política, da crítica literária e da ambição de poder, preferindo aos congros ávidos os serafins sem bússola e às forças da natureza as pequenas fraquezas onde o prazer se esconde."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Assobiar no escuro"

"Quando as circunstâncias me obrigam a pensar em mim encontro um homem tão aselha com os sentimentos como outros são desajeitados com as mãos. Não sou capaz de enrroscar um parafuso de ternura sem que a chave me escape e a menor martelada de impaciência é os meus dedos que aleija. De modo que, se a psicologia for a arte da adaptação, deveria usar óculos."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Isto"

"Julgo que me tornei escritor porque em criança o meu pai me curava as gripes com sonetos em lugar de aspirinas: pela parte da boca que o cachimbo não ocupava saíam ao mesmo tempo fumaças e tercetos cujo efeito medicinal, somado às papas de linhaça da minha mãe, me mergulhavam a pouco e pouco numa espécie de coma rimado, do qual me não libertei totalmente visto que respondo aos polícias das multas em alexandrinos contados pelos dedos no capot do carro."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

A gripe no Masculino

HOMENS QUE ESTÃO COM GRIPE

Os homens são mesmo assim!
Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo.
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha, Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sózinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.


António Lobo Antunes