sábado, 28 de fevereiro de 2009

Brincando com uma concha



A concha enquanto cenário de vida.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Pôr-do-sol

Núvem branca
divisória da cor
azul celeste
cor do fogo
ou do amor

desfrute se faz favor

JRocha

Cravo vermelho

Eu sei dum craveiro
teimosamente aprumado
(mesmo que amparado)
eu sei dum craveiro
sempre impertigado
firme e determinado
eu sei dum craveiro
pai de cravo vermelho
(só para rimar encarnado)
eu sei de um craveiro velho
pai de cravo sempre novo
simetricamente renovado
dum vermelho vivo
(não matizado)
eu sei dum velho craveiro
do seu filho orgulhoso
porque do puro vermelho
se sente honroso
eu sei desse craveiro...

JRocha

"SEGREDO"

Sei um ninho.
E o ninho tem um ovo.
E o ovo, redondinho,
Tem lá dentro um passarinho
Novo.

Mas escusam de me atentar:
Nem o tiro, nem o ensino.
Quero ser um bom menino
E guardar
Este segredo comigo.
E ter depois um amigo
Que faça o pino
A voar...

Miguel Torga, Diário VIII

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Caretos carnavalescos



O amanhecer no Ave

Este amanhecer no Rio Ave mais parece um sonho. Trata-se de imagem real captada da ponte do caminho-de-ferro, antes da estação da Trofa. Que bonito que seria se não fosse tão poluído.

A descoberta do espaço

Traquinices


sábado, 14 de fevereiro de 2009

"Olhos cheios de infância"

"A partir da hora de jantar, quando não se distingue o ventinho nas árvores, a Rua Gonçalves Crespo recebe um pelotão de travestis e raparigas da vida. Discutem encostadas aos automóveis, compõem malhas de meias com uma falangeta de cuspo, tropeça-se no perfume como um obstáculo sólido. Algumas têm lhos cheios de infância por trás da pintura. Marcas de agulhas nos braços magros que coçam as comichões da heroína, calcanhares que vacilam nos tacões. Um chofer de táxi parlamenta com um travesti de nádegas ao léu e cabeleira tão platinada que encandeia. Pensando melhor ninguém tem olhos cheios de infância por trás da pintura, sou eu que sou parvo (...) Aqueles que me observam na Rua Gonçalves Crespo ou nem obsernam, avaliam são duros e secos. De madeira que a droga apodreceu por dentro e vai roendo, roendo. Qual infância! A infância é um luxo de quem possui tempo para a ter tido, uma saudade retrospectiva e enternecida de quando não há fome (...) Escreve olhos cheios de infância, anda. Assim como assim talvez te ajude a viver."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

sábado, 7 de fevereiro de 2009

"Retrato do artista quando jovem - II"

"Vinha eu de eléctrico para Benfica, depois de mais uma educativa tarde no Liceu Camões, espécie e campo de concentração aterrorizador e inútil, quando, por alturas de Calhariz, uma evidência surpreendente me cegou: vou ser escritor."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

Fantasia erótica

Fantasia amorosa

A fantasia do colibri

"Assobiar no escuro"

"- Deixa-te de fantasias líricas
apetece-me fazer de cada página um barquinho de papel e deixá-lo navegar pelas sarjetas na esperança de que outra mão as receba como uma espécie de Índia onde cheguei por acaso, juntamente com o ecozinho de um assobio no escuro e um sobrolho apreensivo da mãe."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Assobiar no escuro"

"À questão aflita
- O que vais fazer na vida
respondi invariavelmente
- Assobiar no escuro
o que me salva da política, da crítica literária e da ambição de poder, preferindo aos congros ávidos os serafins sem bússola e às forças da natureza as pequenas fraquezas onde o prazer se esconde."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Assobiar no escuro"

"Quando as circunstâncias me obrigam a pensar em mim encontro um homem tão aselha com os sentimentos como outros são desajeitados com as mãos. Não sou capaz de enrroscar um parafuso de ternura sem que a chave me escape e a menor martelada de impaciência é os meus dedos que aleija. De modo que, se a psicologia for a arte da adaptação, deveria usar óculos."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Isto"

"Julgo que me tornei escritor porque em criança o meu pai me curava as gripes com sonetos em lugar de aspirinas: pela parte da boca que o cachimbo não ocupava saíam ao mesmo tempo fumaças e tercetos cujo efeito medicinal, somado às papas de linhaça da minha mãe, me mergulhavam a pouco e pouco numa espécie de coma rimado, do qual me não libertei totalmente visto que respondo aos polícias das multas em alexandrinos contados pelos dedos no capot do carro."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

A gripe no Masculino

HOMENS QUE ESTÃO COM GRIPE

Os homens são mesmo assim!
Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo.
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha, Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sózinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.


António Lobo Antunes

domingo, 1 de fevereiro de 2009

"Eu, há séculos"

"Sentava-me no chão ouvindo a terra, os grilos que cantavam o silêncio cerzindo pedras e sombras, cerzindo as nuvens contra o telhado da casa e a voz da minha avó num dos quartos de cima, de modo que mal os grilos se calavam tudo estava certo, as coisas em harmonia umas com as outras, a minha respiração com elas e então fechei os olhos e por um momento sem tempo fui feliz."
António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas

"Quem me assassinou para que eu seja tão doce?"

"O dedo imenso e estúpido do professor primário a procurar-me entre as carteiras a pretexto dos afluentes da margem esquerda do Tejo ..."
" A minha tia ensinava-me solfejo, regulava o metrónomo e aquele dedo, imenso e estúpido também, para a direita e para a esquerda numa teimosia cardíaca."

António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas